Proposta de criação e ampliação de áreas protegidas em São Paulo

Proposta de criação do Parque Natural Municipal Borda da Serra do Mar, Floresta Municipal do Gramado e ampliação de áreas protegidas na cidade de São Paulo

Rodrigo Martins dos Santos
Alejandra Maria Devecchi
Rosélia Mikie Ikeda


RESUMO

Apresenta estratégias para a proteção e conservação do patrimônio ambiental no Extremo Sul da Cidade de São Paulo através da criação e ampliação de unidades de conservação (UC) de domínio público, interligadas por corredores ecológicos (CE) e apoiadas pela gestão da Área de Proteção Ambiental (APA) já existente. As modalidades de UC sugeridas são: 1. Parque Natural na bacia do rio Capivari (PNM Borda da Serra do Mar); 2. Floresta Municipal na bacia do rio Embu-Guaçu (FLOMU Gramado); 3. Ampliação do Parque Natural Municipal (PNM) Cratera de Colônia; e 4. Ampliação do Núcleo Curucutu do Parque Estadual da Serra do Mar – PESM. Desta forma o Sistema de Áreas Verdes do Município de São Paulo se expandirá por meio da destinação de uso de terras devolutas e desapropriação de terras não exploradas, integrando-as ao patrimônio ambiental de domínio público da cidade.

Palavras-Chave: unidade de conservação - criação; São Paulo, mananciais, plano diretor


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Artigo originalmente publicado nos Anais do III Simpósio Nacional de Áreas Protegidas, organizado pela Universidade Federal de Viçosa, em 2014. 

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INTRODUÇÃO

            Este trabalho foi feito em consonância com o Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE), Lei Municipal 13.430/02, que estabelece como diretivo da Política de Desenvolvimento Urbano Ambiental para a zona sul da cidade a “ampliação dos territórios protegidos, tais como, novas unidades de conservação” e também com o Plano Regional Estratégico de Parelheiros (PRE-PA), Lei Municipal 13.885/04, que possibilita “criar mecanismos para a proteção de corredores biológicos, por meio da criação de novas unidades de conservação e de estratégias para a preservação de terras particulares”. Este é, ainda, um trabalho representativo da Diretriz XIII da Lei Federal 9.985/00 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC), que é de

proteger grandes áreas por meio de um conjunto integrado de unidades de conservação de diferentes categorias, próximas ou contíguas, e suas respectivas zonas de amortecimento e corredores ecológicos, integrando as diferentes atividades de preservação da natureza, uso sustentável dos recursos naturais e restauração e recuperação dos ecossistemas.

            A criação/ampliação das UCs municipais previstas nesta proposta deverá contribuir para a conservação e recuperação de remanescentes de Mata Atlântica. Estas áreas atualmente fornecem serviços de ecossistema importantes ao município, como a proteção das áreas de mananciais e a conservação da biodiversidade, dentre outros. Esta proposta visa manter prioritariamente a conectividade biológica entre o Parque Estadual Serra do Mar (PESM) – fonte de sementes e semeadores nativos – e áreas já constadas como prioritárias para a restauração: a Cratera da Colônia e Áreas de Preservação Permanente (APP) relacionadas à produção de água e interesse científico.
            Há um amplo consenso social sobre a importância de proteger as áreas aqui tratadas, pois já estão protegidas por legislação local – Zoneamento Geo-Ambiental (ZGA) da APA Capivari-Monos (APA-CM), e zoneamentos do PDE e PRE-PA; estadual – Área de Proteção de Mananciais (APM) e Zona de Amortecimento (ZA) do PESM; federal – APP (Lei Federal 12.651/12), áreas preservadas pela Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/06); e internacional – Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo das Nações Unidas. Esta gama de legislação, no entanto, não estabelece um sistema legal coerente, o que é exacerbado pela falta de fiscalização efetiva (FINNEY & SANTOS, 2014).
            Diversas pressões ambientais fortes estão presentes na região de estudo. A Subprefeitura de Parelheiros (SPPA), onde se localiza a área de interesse, tem sofrido um crescimento populacional muito rápido desde 1991, crescendo em torno de 9% ao ano, segundo dados do levantamento censitário do IBGE.
            Frente este consenso legal-social, baseado na importância ecológica e hidrográfica desta área, e com plena consciência das ameaças ambientais existentes nesta região, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo (SVMA) começou uma serie de estudos sobre a criação de UCs nesta área. Foram consideradas todas as classes constantes no SNUC. Considerando o valor natural e social desta área, junto com o quadro administrativo vigente, as classificações de PNM e FLOMU foram identificadas como sendo as mais adequadas para complementarem o papel das UCs já existentes: APA-CM e PESM (SVMA, 2009b).
            É importante ressaltar que a categoria de Parque Estadual e PNM correspondem ao Parque Nacional, uma área sob domínio público, cujo objetivo básico segundo o SNUC é:

a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

            Da mesma forma, a categoria FLOMU corresponde à Floresta Nacional, e também é uma área sob domínio público, configurando-se por ser, de acordo com o SNUC:

Área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas. (...) é de posse e domínio públicos (...) a pesquisa é permitida e incentivada.

            Nos dois tipos de UC é permitida também a visitação pública, condicionada às normas estabelecidas para o manejo da unidade.


JUSTIFICATIVA PARA CRIAÇÃO DAS UCs

O proposto PNM Borda da Serra do Mar deverá ser contíguo ao PESM, a maior área protegida de Mata Atlântica no Brasil. Estas áreas estão inseridas em zonas de Proteção de Vida Silvestre (ZVS) e de Uso Sustentável (ZUS) da APA-CM. Também se constituem Zonas Especiais de Proteção Ambiental (ZEPAM) pelo zoneamento do PRE-PA.
            O PNM Borda da Serra do Mar deverá ser implantado na região de Evangelista de Souza, área de potencial ecoturístico comprovadamente apresentada pelos estudos das câmaras técnicas de turismo sustentável da APA-CM e dos trabalhos técnicos produzidos pela Divisão de Unidades de Conservação do Departamento de Parques e Áreas Verdes da SVMA (DEPAVE-DUC), onde se destaca o projeto de implantação do “Polo Ecoturístico de Evangelista de Souza” e o “Inventário, Diagnóstico e Plano de Turismo das APAs Capivari-Monos e Bororé-Colônia.” (SVMA, 2005; 2009a; 2011). A vertente direita do rio Capivari, região preservada conhecida como Curucutu (ou Krukutu), onde se localiza o córrego do Getúlio, apresenta a maior biodiversidade ainda não protegida da cidade de São Paulo, pois segundo o inventário de Fauna da Cidade (SVMA, 2008) possui importante diversidade de fauna como a suçuarana ou onça parda (Puma concolor capricornensis), espécie em extinção e ainda encontrada no território municipal; e a Anta (Tapirus terrestris), maior mamífero terrestre das Américas. Em relação a flora, a região apresenta diversos exemplares endêmicos, como a Ocotea curucutuensis, uma espécie de canela encontrada próximo aos campos naturais desta região (GARCIA, 2003).
            Esta estratégia de um PNM em Evangelista de Souza poderá ser conciliada com a ampliação do Núcleo Curucutu do PESM, tendo em vista que será uma UC adjacente e grande parte do fundiário ainda não preservado por estatuto legal ser de propriedade do Estado, da extinta FEPASA (Ferrovias Paulistas S. A.).
            A Cratera da Colônia, por sua vez, localiza-se em área tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), como Zona Especial de Proteção e Recuperação do Patrimônio Ambiental, Paisagístico e Cultural (ZEPAC) da APA-CM.
            A estratégia de ampliação do PNM Cratera de Colônia, na bacia da represa Billings, vem no sentido de que a área existente não atinge os objetivos que a UC pretende, que é a de preservar o patrimônio científico e cultural do astroblema de Colônia.
A proposta de FLOMU no Gramado está localizada na porção oeste da APA-CM, é predominantemente ZUS, com pequena porção em Zona de Uso Agropecuário (ZUA) e ZVS. CEs poderão ser implantados em áreas que não ficarem protegidos nessas UC.
No extremo sul municipal, temos a região do Gramado, uma porção do território caracterizada pela grande presença de atividade agrícola, que se fortaleceu com a presença de colonização alemã do século XIX. Aproveitando esse potencial e implantando efetivamente uma das estratégias presentes no ZGA da APA, o poder público municipal deverá implantar uma FLOMU nesta região, tendo em vista a necessidade de pesquisas e área de experimentação do uso econômico da Mata Atlântica com técnicas sustentáveis, como os Sistemas Agroflorestais, dentre outros modelos que poderão ser disseminados junto aos diversos proprietários agrícolas da região dos mananciais, através de capacitações nesta UC.

Oportunidade e Conveniência

            Os dois parques, a floresta e o corredor ecológico encontram-se integralmente na Macrozona de Proteção Ambiental do município, onde “a instalação do uso residencial e o desenvolvimento de qualquer atividade urbana subordina-se à necessidade de preservar, conservar ou recuperar o ambiente natural”.
            Interligando estas UCs, deverá ser fomentado a criação de CEs (ou Biológicos) junto às propriedades privadas, através de pagamentos por serviços ambientais, fomento de RPPN, consolidação de APP e Reservas Legais, dentre outras estratégias, possibilitando a intercomunicação do material biogênico da Mata Atlântica entre as diversas categorias de Áreas Protegidas.
            Em termos de serviços de ecossistema, as áreas aqui tratadas fazem parte do sistema de mananciais que fornece 30% de água potável da cidade de São Paulo. Como uma área de transição entre o município e o PESM, esta área também serve como zona de amortecimento, reduzindo efeitos de borda e vetores de pressão sobre os ecossistemas nativos. Como uma área contígua com o PESM, faz parte do maior remanescente da Mata Atlântica existente, um ecossistema considerado como um dos cinco mais ameaçados do mundo. Como vetores de restauração, estas áreas também contribuem para a conectividade entre a Mata Atlântica nativa (uma fonte de sementes e semeadores) e áreas já definidas como prioritárias para a restauração, como a Cratera da Colônia e APP. Estas funções ecológicas por si só justificam a criação de UC na área de estudo.
            Além disso, a presente proposta visa contribuir com a política de planejamento urbano da cidade, em consonância com o PDE, que estabelece como um objeto da Política de Urbanização e Uso do Solo “estimular o crescimento da Cidade na área já urbanizada, dotada de serviços, infraestrutura e equipamentos, de forma a otimizar o aproveitamento da capacidade instalada e reduzir os seus custos”. Assim, esta proposta devera fortalecer o cinturão verde do município, limitando o crescimento populacional no extremo sul, também previsto no Anexo XX – Livro XX do PRE-PA:
Art. 1º - A política de desenvolvimento urbano-regional estabelecida por este Plano Regional Estratégico tem como princípios gerais: I. promover o desenvolvimento da região a partir de alternativas econômicas voltadas ao desenvolvimento rural, tais como turismo e agricultura sustentáveis, compatíveis com a proteção dos mananciais, com vistas à produção de água e à proteção dos ecossistemas; (...) IX. criar mecanismos para a proteção de corredores biológicos, por meio da criação de novas Unidades de Conservação e de estratégias para a preservação de terras particulares.

            No que concerne a Rede Hídrica Ambiental, também presente no PRE, são contemplados outros aspectos que conferem a viabilidade dos projetos:

Art. 15 – São diretrizes deste Plano Regional Estratégico o saneamento da: (...) III. bacia hidrográfica do Capivari-Monos, compreendendo as Cabeceiras do Ribeirão dos Monos e o Ribeirão Claro. Art. 16 – Deverão ser preservadas como áreas verdes, públicas e privadas, as áreas contidas: I. na faixa de 30 metros ao longo de cursos d’ água, independentemente de sua titularidade.

            Assim, com base nessas evidências legais, fisiográficas e socioambientais, vislumbra-se a oportunidade e conveniência de ser criar/ampliar as unidades de conservação e outras áreas protegias mencionadas. 

Fig. 1. Fluxograma de implantação de UC de domínio público. Org. Rodrigo Santos.


ETAPAS PARA IMPLANTAÇÃO DAS UCs

O modelo proposto na Fig. 1 foi elaborado tendo por base as etapas e fases que as primeiras UCs municipais de São Paulo perpassaram, principalmente as de domínio público como os parques naturais e os lineares. É uma sugestão de Plano de Trabalho para identificação, desapropriação, e criação das UCs citadas.
Assim foram identificadas três etapas de implantação de uma UC, cada qual com três fases onde são esperados um produto específico, conforme observa-se na figura. A seguir é descrito com mais detalhe cada uma dessas etapas, fases e produtos.

ETAPA “A” – ESTUDOS PARA DEFINIR AS UCs

            A etapa A, que são os estudos para definir uma unidade de conservação, é dividida em três fases, a saber: A.1. Estudos Preliminares; A.2. Levantamento Fundiário; A.3. Plano de Gestão. Para cada uma dessas fases são esperados os seguintes produtos: p.A1.  Prioridades preliminares; p.A.2. Mapa Fundiário; p.A.3. Definição das UCs e Pré-Zoneamento. A seguir será detalhado cada fase e produto desta etapa.

FASE A.1 – Estudos Preliminares

            Esta fase representa o resultado dos estudos preliminares, que visaram revisar a legislação e literatura existente com a proposta de estabelecer áreas preliminares para criação de UC no extremo sul de São Paulo. Tal revisão foi efetivada por técnicos da SVMA com ajuda de Christopher Finney, mestrando em Gestão Ambiental pela Yale University, entre maio e agosto de 2008 (SVMA, 2009b). As áreas preliminares são baseadas no Zoneamento Municipal, ZGA da APA-CM, PRE-PA, Plano de Gestão do PESM, usos do solo, rede viária, trabalhos acadêmicos publicados, e publicações do grupo de trabalho sobre áreas protegidas organizado pela Universidade de São Paulo, cujo resultado foi:
  • A área denominada como ZEPAM/09 pelo PRE-PA coincide com ZVS da APA-CM. Esta área é limítrofe com o PESM em quase toda a sua extensão dentro do município mais a Fazenda da SABESP, e é a área indicada aqui como proposta para receber o PNM Borda da Serra do Mar;
  • A área da Cratera da Colônia, denominada como ZEPAM/16 e ZEPAM/17 pelo PRE-PA, coincide com a ZEPAC da APA-CM. Nela já se encontra o PNM Cratera de Colônia onde no presente estudo apontamos sua ampliação;
  • A ZPDS/01 (Zona de Proteção e Desenvolvimento Sustentável) do PRE-PA coincide com a ZUS da APA-CM, totalmente apropriada para receber a FLOMU do Gramado aqui proposta;
  • Um CE de aproximadamente 1500 m de largura entre a ZEPAM/09 e a ZEPAM/17, mais APP dos Rios Vermelho e Embu-Guaçu, deverão ser preservados para garantir a conectividade das UCs. O corredor proposto localiza-se na APA-CM, em ZVS, ZUS, e ZUA (coincidente com ZEPAM e ZPDS municipal), onde o Conselho Gestor da APA poderá fomentar a criação de RPPN. Caso os proprietários não garantam seu uso ecológico, estas propriedades poderão fazer parte do Plano de Expansão das UCs que serão implantadas, convertendo-se em terras públicas.

             Assim, esta revisão na legislação possibilitou a indicação de algumas modalidades de áreas protegidas, que poderão ser observadas na Fig. 2 e no Produto p.A.1 (Fig. 3), e estão elencadas a seguir: 
  • PNM: porção preservada da bacia hidrográfica do rio Capivari (região de Evangelista de Souza-Marsilac-Ponte Seca) e Cratera de Colônia (expansão da UC existente);
  • FLOMU: Região do Gramado;
  • CEs interligando as UCs, com fomento de RPPN;
  • Expansão do PESM às terras do Estado confrontantes ao parque.

             A FUNAI (Fundação Nacional do Índio) – órgão federal responsável pela criação de Terras Indígenas (TI) – possui um plano de expansão das TIs Guarani localizadas no extremo sul do município. Os limites das UCs propostas deverão sofrer alterações caso apresentem sobreposição com essa expansão de TI. Certamente estas alterações deverão ser em benefício às TI, tendo em vista diversos estudos, como os apresentados por Nepstad et. al. (2006), que compara dados sobre a eficiência na preservação, controle e uso sustentável da floresta em TIs e em diversas categorias de UC. Este mérito se dá, grande parte, pelo fato de os grupos indígenas serem tradicionalmente Povos da Floresta e, portanto, necessitam dela para sobreviver, promovendo a sua proteção e uso adequado, além de possuírem um conhecimento a respeito da mata que é passado por gerações através de sua cultura, desde o nascimento até a fase mais experiente, especialmente o grupo indígena Guarani (Ladeira, 1992).

Fig. 2. Sobreposição do Zoneamento Ambiental do território com as Áreas indicadas para implantação de UC. Não foi incluído o perímetro de expansão das Terras Indígena, que deve ser considerado como prioridade em relação às UCs. Org. Rodrigo Santos.

            Segundo Ladeira (op. cit.) a Mata Atlântica é o verdadeiro ambiente dos Guarani, ocupam-na há centenas de anos, e são afetados diretamente com as alterações na biota, em especial devido a aproximação da vida urbana, sendo então necessária a expansão de suas terras para garantir, além da proteção da floresta, o próprio modo-de-vida tradicional Guarani (Ladeira, 2000), uma das matrizes da formação da identidade brasileira.
            O produto esperado para esta fase A.1 é o Mapa de prioridades de conservação, apresentado na Figura 3.

Fig. 3. Produto p.A.1 – Mapa de prioridades preliminares de conservação para o extremo sul do Município. Áreas indicadas para implantação de UC de domínio público. Não foi incluído o perímetro de expansão das Terras Indígenas, cuja prioridade é maior em relação a criação de UC.

FASE A.2 – Levantamento fundiário

            Para maior definição de territórios prioritários quanto aos critérios administrativos estabelecidos, e para viabilizar a aquisição de terras, é preciso um levantamento fundiário de todas as áreas consideradas como prioridade preliminares. Aqui, vale destacar que existem glebas territoriais no extremo sul do município que são devolutas. O levantamento fundiário representa uma importante fase, pois existem áreas que já são públicas, mas não possuem nenhum instrumento de gestão, e outras que são particulares, mas os proprietários são desconhecidos.
            Por causa do caráter rural da área em questão, espera-se que este trabalho será facilitado pelo tamanho relativamente grande das glebas. O levantamento deverá ser efetivado segundo a metodologia descrita em IBAMA (2001), considerando os seguintes passos: 
  1. Levantamento dos limites das propriedades;
  2. Pesquisa cartorial;
  3. Elaboração do laudo de informação fundiária;
  4. Características dos ocupantes;
  5. Infraestrutura física existente;
  6. Avaliação.

             O produto esperado para esta fase A.2 é um Banco de Dados Fundiário, conforme apresentado na Fig. 4.

Fig. 4. Situação Fundiária (parcial) da APA-CM. Associado a este mapa elaborado pela Divisão de Patrimônio Ambiental da SVMA existe um banco de dados geo-referenciado que contém diversas informações fundiárias como: nome do proprietário, número da matrícula de registro do imóvel, dentre outras.

FASE A.3 – Plano de Gestão

            As UCs sugeridas para implantação poderão iniciar as atividades previstas em sua gestão assim que forem adquiridas as primeiras Terras (Etapa “B”), utilizando a Sede da APA-CM como apoio na execução desta tarefa, até que seja constituída estrutura administrativa compatível com a categoria e estrategicamente posicionada no interior de cada UC.
            O SNUC constata que “a criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento”. Além disso, a Lei Municipal 13.136/01, que estabelece a APA-CM, na qual se localiza a presente proposta, especifica que “o gerenciamento da APA Capivari-Monos será feito de forma participativa e democrática, por um Conselho Gestor, composto por representantes do Poder Público e da sociedade civil”.
            Dado este quadro, deverão ser efetivados trabalhos participativos com a comunidade local, estabelecendo uma oportunidade de refinar e melhorar a definição de terras prioritárias para desapropriação, de categorias de UC a serem implantadas, e de planos de manejo. Este trabalho com a comunidade se dará por via da APA-CM, a fim de aproveitar a rede social existente, e por via de oficinas públicas, amplamente disseminadas, a fim de incluir o maior numero possível de stakeholders (participantes).
            O produto esperado para esta fase A.3, são os Planos de Gestão de cada uma das unidades propostas, a seguir são apresentadas algumas diretrizes que servirão de subsídio para a elaboração dos Planos de Gestão das Unidades propostas neste Estudo. O Plano de Gestão deverão definir a categoria das UCs e estabelecer um pré-zoneamento delas.
            Por abrigar diversos dos principais atrativos naturais da APA-CM (SVMA, 2009a) a área do PNM Borda da Serra do Mar apresenta grande potencial para o ecoturismo (vide fig. 5, 6 e 7), e, portanto estes focos de visitação deverão ser aproveitados e garantidos no seu Plano de Gestão de acordo com as estratégias de uma unidade de proteção integral desta categoria. O fato de servir como ZA ao PESM também deve ser considerado, protegendo parte da Mata Atlântica que ainda não possui uma gestão ambiental presente.

      Fig. 5 Praia natural no rio Capivari, após o encontro com o ribeirão dos Monos.


Fig. 6 Estação de Evangelista de Souza, possui plano para trem turístico.

            Já que o PESM mantém um centro de pesquisa e administração no extremo sudoeste do município, o centro administrativo do PNM deverá ser implantado na outra ponta, no extremo sudeste do município, ao sul da Zona de Interesse Turístico e Histórico (ZITHC) de Evangelista de Souza, próximo ao encontro dos Rios Capivari e Monos e da Estação de Evangelista de Souza, pois, além disto, a SVMA já possui um plano para implantação de um Polo Ecoturístico na região (SVMA, 2005).
            O Parque deverá prever, ainda, outros dois núcleos, um na Estrada de Capivari, próximo a Fazenda Capivari da SABESP, com um centro de visitantes com monitores, e outro próximo da Represa do Capivari. Consolidando assim, três núcleos de visitação, educação e pesquisa para o Parque:
  • Núcleo Evangelista de Souza;
  • Núcleo Capivari;
  • Núcleo Ponte Seca.

             Para dar maior controle de usos indesejáveis, e aumentar a acessibilidade para pesquisa, educação ambiental e turismo sustentável, deverá ser previsto guaritas nas três vias oficiais onde entram na área de Parque Natural proposto, vinculados aos centros de visitação, educação ambiental e pesquisa.
            O centro educacional e de visitação principal compreende o projeto já discutido pela Câmara Técnica de Turismo da APA-CM, chamado “Polo Ecoturístico de Evangelista de Souza” (ibid.).
Em relação a FLOMU no Gramado, seu Plano de Gestão deverá prever a implantação de uma sede administrativa na área próxima ao Jd. dos Eucaliptos, na área municipal localizada ao final da rua Ministro Marcos Freire, onde há uma considerável terra devoluta (Fig. 8), e é servida por linha oficial de ônibus que contribuirá aos acessos à esta UC, já que é uma categoria de Uso Sustentável, e portanto, seu uso e visitação será menos restrito que as demais.

Fig. 7Cachoeira do Capivari, localizada no interior do PESM

Fig. 8 Terra Devoluta na com represamento e exuberante Mata Atlântica, área proposta para tornar-se FLOMU

            Deverá prever a implantação de viveiros e áreas para a experimentação de manejo de espécies nativas para fins econômicos, que poderão ser implantados nas propriedades rurais localizadas no interior das APAs Capivari-Monos e Bororé-Colônia, e outras áreas da região dos mananciais.
            Nela deverão ocorrer oficinas e capacitações aos agricultores, difundindo práticas ecológicas de cultivo e manejo da terra, integrando às atividades da Casa de Agricultura Ecológica “José Humberto Siqueira”.

ETAPA “B” – AQUISIÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DE UC

            A etapa B corresponde à aquisição e regulamentação das UCs, é dividida em três fases, a saber: A.1 Aquisição de terras devolutas ou não tituladas; A.2 – Aquisição de terras privadas; A.3. – Criação e início da gestão. Para cada uma dessas fases, são esperados os seguintes produtos: p.A1. – Liminares judiciais de posse; p.A.2 – Domínio público das UCs; p.A.3 – Decreto de criação e início da administração das UCs. A seguir será detalhado sobre cada fase e produto desta etapa.
            As fases desta etapa poderão caminhar paralelamente, pois de acordo com o SNUC “excluem-se das indenizações referentes à regularização fundiária das UC, derivadas ou não de desapropriação [...] as áreas que não tenham prova de domínio inequívoco e anterior à criação da unidade”. Tal regra representa uma grande oportunidade para o Município de São Paulo, já que – como apresentado na Fig. 4 – existem grandes porções de terras na área de interesse em estado devoluto e outras não tituladas, que caso não sejam destinadas a algum uso público, serão alvo fácil de grileiros e especuladores imobiliários.
            As terras devolutas deverão ser adquiridas pelo poder publico do Município de São Paulo, para fins de maior proteção ambiental, independentemente de quaisquer outros procedimentos aqui descritos. Dentro da ZEPAM/09 poderão continuar com a proteção legal vigente, sob posse do município, até serem estabelecidas as UC. Esta negociação deverá ser entre a SVMA, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e a Secretaria de Negócios Jurídicos do Município (SNJ).
            O processo de aquisição de terras se resume no seguinte procedimento: 
  1. Levantamento da cadeia dominial do imóvel no cartório de registro de imóveis, verificando, através de analise de cadeias sucessórias, e consistência dos dados, ate a devolução do imóvel;
  2. Apuração das ocupações de boa-fé;
  3. Planta cadastral de situação de cada imóvel e memorial descritivo da área em questão;
  4. Apuração dos valores das benfeitorias, bem como de culturas, criações e florestas plantadas nela existentes;
  5. Consulta a SNJ e PGE, para apuração da situação legal do imóvel e valoração oficial;
  6. Desapropriação (no caso de imóvel privado) e posse legal do imóvel com vistas à efetivação da Unidade. 
            Uma vez estabelecida a condição de devolução de uma área, o custo adicional da aquisição devera ser mínima, já que será efetivada por processo judicial.
            Nos levantamentos fundiários executados pela SVMA, PGE e SNJ, foi constatado, além da existência de Terras Devolutas e Não Tituladas, também se constatou Terras pertencentes ao Estado, grande parte delas contíguas a área decretada PESM. Esses imóveis deverão ser anexados àquele parque, tendo em vista que é uma UC consolidada e os imóveis serem adjacentes.
            Terras que forem do Estado, e que não forem contíguas ao Parque Estadual, poderão ser transferidas a Municipalidade para incorporarem-se às UCs propostas.
            Como grande parte das terras localizadas no interior das UCs propostas são devolutas ou de dominialidade pública, não haverá necessidade de desapropriações para a criação inicial das unidades. No entanto, caso seja indicado as relevâncias de ampliação sobre terras privadas, o processo de desapropriação dessas áreas deverá ser iniciado.
O CE, por outro lado, deve permanecer sob posse privada, mas sujeito a fiscalização mais rígida e zoneamento ambiental mais forte que o atual (recomenda-se que o Corredor seja denominado como ZUS, com proibição de silvicultura de espécies exóticas).
            Os produtos esperados para estas fases são o “domínio municipal das terras devolutas” (p.B.1) e o “domínio municipal integral das UCs” (p.B.2). O primeiro produto dependerá da transferência da administração das terras devolutas do Estado para o Município gerir. Para isso a SVMA deverá solicitar a administração das áreas junto a Procuradoria de Patrimônio Imobiliário da PGE apresentando uma proposta inicial de gestão das áreas, que inclui os Produtos p.A.1 e p.A.2 apresentados no presente estudo. Após análise da PGE-PPI e os devidos trâmites internos nos órgãos estaduais, a SVMA será informada sobre a transferência de administração das terras devolutas do Estado para o Município, e o Departamento de Patrimônio da SNJ (DEPATR) então poderá aceitar o domínio da área como patrimônio municipal. Após isto, as terras já são municipais e SVMA poderá então iniciar a implantação da UC conforme seu Plano de Gestão definir.
            Para o produto p.B.2, a Divisão de Patrimônio Ambiental da SVMA (DEPLAN-DPAT) possui um banco de dados de grande parte dos proprietários ou matrículas imobiliárias das propriedades privadas constantes no interior dos perímetros propostos para as UCs. Assim, facilita-se a delimitação em planta georeferenciada contendo os confrontantes, limite da propriedade legal e levantamento planialtimétrico-cadastral de algumas propriedades, necessários para a valoração dos imóveis a serem desapropriados.
            Em SVMA, as compensações ambientais por corte de vegetação são destinadas a aquisição de áreas dentro do plano de expansão de áreas verdes, mediante aprovação no CONFEMA (Conselho do Fundo Especial do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável).

FASE B.3 – Criação e Administração

            Tendo em vista que o Corpo Administrativo das UC deverá ficar inicialmente localizado na sede da APA, após efetivarem a aquisição das primeiras terras que formarão o núcleo inicial de cada UC, a SVMA providenciará a publicação oficial do Decreto Municipal que cria a respectiva UC.
            A SVMA também deverá dotá-la, a partir desta criação, de um gestor (administrador) que deverá implantar inicialmente o previsto no Plano de Gestão e criar condições para o avanço das outras etapas que consolidarão a respectiva UC, como o Plano de Manejo e o Conselho Gestor.
            O produto esperado para esta fase é a publicação do “Decreto de criação de cada uma das UC” (Produto p.A.3). O texto poderá ser baseado no instrumento legal que criou os outros parques naturais no município.

ETAPA “C” – GESTÃO E MANEJO DAS UC

            Esta é a etapa final, consolida a criação da UC, e possui basicamente três fases: C.1. Obras de Infra-Estrutura; C.2. Planos de Manejo; C.3. Gestão Manejada. Os produtos esperados nas respectivas fases são: p.C.1. Benfeitorias para a gestão; p.C.2. Zoneamento e Plano de Manejo; p.C.3. Consolidação das UCs.
            Estas fases e produtos poderão ser conduzidos de acordo com a experiência adquirida na consolidação de outras UCs semelhantes, como os parques do rodoanel.



CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Antes de ser uma conclusão, pretende-se aqui apontar elementos que definam um caminho para a sistematização de um estruturado Sistema Municipal de Unidades de Conservação e de Áreas Verdes. Como uma oportunidade para repensar o paradigma de gestão do solo, produção hídrica e controle de enchentes, biodiversidade e banco genético, regulação do clima, dentre diversos outros elementos ambientais essenciais para uma política concreta de meio ambiente, tendo como palco incipiente o extremo sul do município.
            Assim, este documento pretende contribuir para um debate que consolide o surgimento de ambos os sistemas ambientais criados pelo Plano Diretor da Cidade de São Paulo e por outras legislações federais e estaduais, mas ainda não regulamentados nesta cidade, portanto um desafio a ser enfrentado e superado pelo poder executivo municipal, envolvendo técnicos, agentes públicos e governo, contando com as contribuições da sociedade civil.
            Definir conceitos e diretrizes claros sobre o papel, função, objetivo, caráter, perfil, ou seja, diversos aspectos das Unidades Ambientais – ou Áreas Protegidas – da Cidade de São Paulo deverá ser, agora, o grande desafio.
            Este trabalho tem o intuito de trazer subsídios para uma proposta de melhor aproveitamento, do ponto de vista ambiental, das terras públicas ou sem uma gestão ambiental constituída, colocando-se como mais uma – porém não a única – estratégia para a proteção e conservação do patrimônio ambiental da Cidade de São Paulo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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